Tem vindo a público o assunto do ferry da Madeira para o continente. Não é de hoje. O tema deveria merecer a atenção e preocupação de todos, enquanto ilhéus, particulares ou empresas. A Madeira e os Açores continuam a ser as únicas ilhas europeias sem ligações de passageiros por via marítima. Figura triste num país que foi de descobridores e hoje quase sem vocação marítima.
Em vários fóruns, onde escrevi ou falei, sublinhei sempre está triste realidade. Factores vários terão levado a esta situação, desde o desinteresse dos próprios ilhéus, coagidos por correntes de opinião de que o avião é que era o rei dos transportes de passageiros, até à retração de investimento num navio deste tipo por parte dos armadores portugueses, associada à passividade das entidades competentes, regionais e nacionais. Nada mais errado já que por essa Europa, e mundo, coexistem diferentes tipos de transporte´que fomentam as necessidades de cada passageiro e da própria economia local.
Com o desenvolvimento da aviação e com a inauguração do aeroporto da Madeira (1964), as ligações para Lisboa foram interrompidas no início dos anos setenta pelo paquete Funchal e só retomadas em fins de 1977, pelo navio Niassa, na sequência do desastre aéreo em Santa Catarina, de Novembro de 1977, que afastou inicialmente muitos passageiros de viajar de avião. Mas em 1978 a Madeira voltava a ficar sem navio de passageiros para o continente, e viajar de mar para Lisboa só era possível nos cargueiros Madeirense e Funchalense que tinham uma capacidade até 12 passageiros. Retirados do serviço no início dos anos 90, só o porta-contentores Pico Castelo, da Empresa de Navegação Madeirense, também transportou idêntico número, mas por pouco tempo.
Como é lógico, não é esta a solução de transporte, de carga e de alguns passageiros,que deve ser preconizada. Pergunto-me vezes sem conta como é que todas as outras ilhas têm ferries e nós não? E com distancias semelhantes que envolvem pernoita a bordo. Estará a razão deste ou do outro lado? Claro que a pergunta é irónica. Basta lembrar que no fim dos anos 50 quando o Funchal foi projectado para a Insulana de Navegação se pensou na hipótese de ser um ferry para as ilhas. E como tudo teria sido diferente.
Basta lembrar o bem que fez a esta ilha os navios ferry da Fred Olsen, Black Prince, Black Watch e Blenheim, que entre 1966 e 1986, ligaram a Inglaterra à Madeira e às Canarias. Transportaram turistas, emigrantes, mercadorias, e mais não transportavam porque, por cá, continuava a não existir rampas de embarque. Lembrar que estes navios noruegueses estavam isentos de pilotagem.
No fim da década de 80, o armador nacional Portline trouxe para a Madeira, pela primeira vez, um navio com rampas roll on roll off, desembarcando desta forma automóveis que chegavam ilha a um custo bem mais económico, além de outras cargas rolantes. Algum tempo depois, o Cidade de Funchal deixava esta linha após inviabilização sobre este tipo de descarga no porto do Funchal. Até então nenhum outro armador havia experimentado esta opção de transporte e muito menos de trazer um ferry, evocando sempre que a ilha não precisava de navios de passageiros e que a operação seria deficitária.
Em 2008, o armador espanhol Armas lança a primeira ligação ferry para o continente, numa lógica de entrar para a península (Espanha) via Portimão e com escala no Funchal, reforçando assim os laços com a Região depois das ligações também para Canárias, já realizadas nos anos anteriores. São públicos e estão na memória recente os condicionamentos colocados à operação ferry, que até então nenhum armador local ou do resto do país havia tentado. Limitação de atrelados, queixas sobre a utilização do porto do Funchal, constantes operações alfandegárias, entre outros. Até que em Janeiro de 2012 a Naviera Armas abandona a ilha. A Madeira volta a ficar sem ferry para o continente. Sempre e até aqui, a mentalidade da estiva tem vindo a predominar, com uma ligeira evolução graças às caixinhas multicolores, que viajam nos porta-contentores, e que tanto "pulam" de um lado para outro, encarecendo o transporte. Pelo país marítimo que fomos e pelo que representa a Madeira para o início das descobertas merecíamos mais. Nada evoluímos e quisemos foi manter os contentores da mesma forma que são transportados desde os anos setenta, com um sem fim de operações portuárias e terrestres.
Por cá e pelo continente houve uma aversão à compra de um ferry sustentada na justificação de que o prazo de amortização do investimento seria muito superior ao de um navio de carga com custos menores e lucros mais rápidos. E o interesse das ilhas? E a continuidade territorial? E o próprio interesse da economia regional a médio-longo prazo?
Há vários tipos de ferry pelo mundo fora. Com mais ou menos capacidade de passageiros, de automóveis ou de mercadorias. Com mais ou menos velocidade. Mais ou menos modernos. E não há nenhum para a Madeira e para os Açores? Onde está a verdade? Queremos todos um ferry. Começa por cada um de nós, ilhéus ou não. Não se trata de lirismos. Um ferry é útil para qualquer ilha e um serviço amigo do ambiente, com operações de transporte mais rápidas e com menos intermediários. Até transportando o seu próprio automóvel.
Texto e fotos: Luís Filipe Jardim